quarta-feira, 5 de setembro de 2012


TABACARIA (15-1-1928 )
Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres
Com a morte a pôr umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens.
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira.
Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu ,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo.
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando.
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
0 mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num paço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
0 seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena; Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -,
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei, e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.

Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
0 dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho, Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra, Sempre uma coisa tão inútil como a outra ,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou á janela.

0 homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(0 Dono da Tabacaria chegou á porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da tabacaria sorriu.


In Pessoa, F. (1981): Obra Poética, Rio de Janeiro: Ed. Aguilar



Lua,

Sombrio em mim...
Acompanhas-me nas noites imensas ,
de cansaço e descrenças,
no outro lado teu eu.
No escuro onde te iluminas,
vagueia em ti ondas de chamamento.
Essa tua imensidão que entendo,
Como faces de sentir.
Há dois lados em ti,
lua do meu ceu!
Aquele que ilumina e o que escurece.
Este que me acende e outro que esmorece...
És melodia que nao se identifica.
És completa em grande explendor.
Escondes-te e estas sempre presente,
em nós,humanamente...
Lua,
Que sinto em mim.




Tudo se desfaz,

Tudo se comprime.
Numa ansiedade,em que tudo se exprime.
No meu ser,
o ritmo frenético das sensações se elevam.
Doces....duras...
O engolir húmido da saudade,
lágrimas quentes de vontade 
De mais e não saber como!
Aí este abandono...
Que sensação amarga!
Estar a mim própria atada,
Sem me mover...
Este querer que me supera,
nunca me vai deixar dar por vencida.
Tenho alma destemida,
ainda que a medo.
Eu sei o segredo,deste enredo..
Mas então!
Que nem tudo depende desta alma!






Em momentos que anseio,

por uma esperança de luz,
procuro encontrar alivio
em algo que me seduz.
Este mal que em mim mora
de procurar fora de mim,
é algo que me devora
e que me conduz ao meu proprio fim.
Sei que tenho uma força!
Algo que brilha,que nasce dia a dia
E algo se vai destruindo em mim
e anseio por uma alegria.
Não entendo este mundo,amigo.
Não compreendo este mal que me rodeia;
que me anseia...
Busco talvez erradamente ajuda,
numa voz de sereia.
Quero encontrar o caminho
pois não quero mais a dor.
São já tantos anos sofridos,
em busca de algo melhor.
Por vezes procuro erradamente,eu sei.
Não sou perfeita,nunca serei.
Mas será que não mereço paz?
Entendo as coisas e não queria tanta vez.
Vejo de mais,sinto...
Sinto de mais.
Procuro nos meus pais...
Busca em mim
Busca em tais...
É muito tempo assim...
É tempo sem fim
É uma eternidade! 
E não se me esgota a vontade!
Porquê?
Sinto que nem direito a morte tenho!
Não tenho sempre dado o meu melhor,
Todo o meu empenho.
A vida não facilita, 
é madrasta.
Sinto-me por vezes,a rastejar...
Queria ser só a calma;
Só a paz em mim...
Ter por fim sossego.
Assim teria o meu pequeno mundo,
no meio deste alvoroço profundo...
Caem lágrimas...
Nem sei bem de quê...
Ninguem as vê,amigo...
Ninguem as vê...

terça-feira, 4 de setembro de 2012




Fugaz
Trazes as cores do arco-íris
Circulas em mim
Vens assim,meio perdido
Crias sons e cheiro a jasmim.

Vens devagar,de madrugada
Na solidão de passos cuidadosos
Alimentas a esperança de um dia ensolarado
Vagueias em espaços preciosos.

Pensei que era infinda
Esta paixão que me apraz
Julguei-te um amor lindo
Uma canção lilás.

Assim passa o tempo
Manhãs,dias e o entardecer.
Sinto-me por vezes embriagada
Como se te fosse perder.

Sei que um dia vais entender
Que temos um tesouro.
Estás no lado esquerdo do meu peito
Guardado em mim...
Amor vindouro.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011


    • labirintos,emoções.
      balanços de corda em cima de vulcoes!
  • há 58 minutos
    Nádia Patricia
    • mar como vida

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Esta terra

Em mim há pequenas pedras feitas de areia...
Pequenas,pedras que se juntam e formam um só.
Húmidas de choro e saudades,
plenas de vontades,
em que busco certezas.
Estes pequenos grãos de areia,
que se desfazem em emoções,
são o meu ser.
Ser que que se desfaz como desenhos no areal do mar,
e se constrói novamente por minhas e vossas mãos.
Sei que esta inconstância estará sempre presente,
não há certezas,nunca as terei...
Pois estas dúvidas que tenho,
serão sempre e sempre...moldadas.
Tal um castelo na areia,
feito com carinho por mãos de fada.
Nada disto importa.
Afinal serei sempre terra e agua
e serei tudo e nada!
O tudo que sou e o nada que serei.
Renascerei mil vezes,
em mim,em ti,em tudo,
e talvez este mundo seja isso mesmo.
Terra e agua,nada mais.

Nádia 17-11-11 Évora